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quarta-feira, 16 de julho de 2014

O que esperar do País depois da Copa? Para onde iremos...?

As pesquisas eleitorais revelam o desapontamento da população com os resultados do combate à inflação. Segundo o Ibope/CNI, divulgado na semana passada, 71% dos entrevistados avaliam muito mal o controle da inflação por este governo.
Passadas duas décadas do mais bem-sucedido e engenhoso programa de estabilização - que derrubou a inflação anual de 2.477,15% em 1993 para 22,41% em 1995 e 1,65% em 1998, o seu menor nível -, esse é o retrato do Plano Real. Uma iniciativa heterodoxa, de convivência temporária com duas moedas, que deveria ter sido levada com determinação a índices mais neutros de inflação, mas ficou a meio caminho.
É claro que os preços, hoje, não crescem a dois dígitos ao mês como antes do Real. Em junho de 1994, às vésperas da circulação da nova moeda, a variação do IPCA foi de 47,4%. Mas uma inflação que ronda os 6% ao ano desde 2010, com os preços dos alimentos subindo mais de 10% ao ano, é motivo de preocupação e não de comemoração. A estabilidade de preços ainda não é uma sólida conquista da sociedade brasileira.
Debelar a hiperinflação, após tantas tentativas fracassadas, era o primeiro passo para construir uma economia mais eficiente, competitiva e um país menos desigual. O aumento generalizado e consistente dos preços no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 encobria as ineficiências e corrompia as informações sobre a real situação tanto do setor privado quanto das contas públicas federal, estaduais e municipais.
Ao derrubar a inflação, as mazelas começaram a aparecer a partir, inclusive, da perda das receitas inflacionárias. Os Estados, na sua maioria, estavam quebrados. Falimentar também era a situação dos bancos públicos - estaduais e federais - e de algumas instituições privadas. Mas só às vésperas da reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em setembro de 1998 - quando o Banco Central (BC) travava um embate com o mercado para segurar o câmbio -, foi que o governo se convenceu da necessidade de encerrar a farra fiscal. No fim daquele ano, reeleito para um segundo mandato, FHC se comprometeu com um duro ajuste nas contas públicas, no âmbito de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para socorrer o balanço de pagamentos. Na sequência, o governo conseguiu, em 2000, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Só às vésperas da reeleição de Fernando Henrique, em 1998, o governo se convenceu da necessidade de encerrar a farra fiscal
A partir da quebra dos monopólios estatais, as privatizações ganharam fôlego em setores-chave, como os de telecomunicações, energia, siderurgia e financeiro. Bancos estaduais foram vendidos e dois federais, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, foram capitalizados pelo Tesouro Nacional. O programa foi levado adiante, sobretudo entre 1996 e 1999, e a venda das estatais rendeu cerca de US$ 78 bilhões aos cofres públicos. Essa arrecadação, entretanto, não foi suficiente para estancar a crescente dívida líquida do setor público, que passou de R$ 147 bilhões em junho de 1994 para quase R$ 563 bilhões em dezembro de 2000, em valores correntes. Havia, mais do que discussão ideológica, pelo menos dois motivos para vender as empresas nos anos 1990: as companhias não tinham recursos suficientes para bancar os investimentos necessários e o governo precisava de reais e dólares para fechar suas contas internas e externas.
A privatização, por mais polêmica que possa ter sido, deu um salto na oferta de serviços públicos, sobretudo de telefonia. Antes telefone era um bem de luxo, um ativo a ser declarado no Imposto de Renda. Havia fila e demorava anos para se conseguir uma linha telefônica da Telebras. Hoje a compra e a habilitação de um celular tomam poucas horas.
Privatização mediante concessões foi o caminho encontrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, a partir de 2012, por Dilma Rousseff, para viabilizar os necessários e urgentes investimentos em infraestrutura - rodovias, portos, aeroportos e ferrovias. Leilões de rodovias foram realizados no ano passado, mas as obras não começaram, enquanto as de seis aeroportos concedidos ao setor privado avançaram.
Em 1998, o Banco Central gastou boa parte das reservas internacionais para sustentar o regime de câmbio administrado. Câmbio valorizado foi um instrumento importante para conter o processo inflacionário pós-Real, ao baratear as importações para suprir a demanda interna. Levada por tempo demais, a apreciação da moeda gerou grandes tensões até que, em janeiro de 1999, FHC trocou o comando da autoridade monetária, mudou a política cambial em meio a uma crise que se aprofundou com a troca de Gustavo Franco por Chico Lopes na presidência do BC e a adoção da banda diagonal endógena.
Em fevereiro daquele ano, Armínio Fraga assumiu o comando do BC e instituiu o regime de taxas flutuantes para o câmbio. No mesmo ano, a política monetária passou a ser calcada no sistema de metas para inflação e o governo começou a cumprir as metas de superávit primário. Estava criado o tripé macroeconômico.
A primeira meta fiscal de FHC foi um superávit primário (que exclui os gastos com os juros da dívida) de 3,1% do PIB, percentual que oscilou para cima e para baixo nos anos seguintes, inclusive durante o mandato de Lula. Dilma Rousseff cumpriu a meta de 3,1% do PIB no seu primeiro ano de governo, em 2011, mas logo depois o governo optou por uma trajetória de afrouxamento fiscal que levou o resultado para 1,89% do PIB em 2013, ainda assim com bilhões em receitas extraordinárias. Para este ano a meta é de 1,9% do PIB. A medida real das condições fiscais, porém, é a do déficit nominal (que inclui os juros), que atualmente está na casa dos 3% do PIB.
O regime fiscal é importante para dar sustentabilidade à dívida pública como proporção do PIB - principal indicador de solvência do país - e para apoiar a política monetária. De pouco adiantam taxas de juros elevadas para controlar a inflação se o gasto público é crescente e aumenta a demanda agregada da economia. Políticas monetária e fiscal não podem ser dissonantes sob o risco de deixar o BC enxugando gelo e a inflação em descontrole.
O tripé vigorou por todo o segundo mandato de FHC. Lula assumiu em janeiro de 2003, no rescaldo de um forte ataque especulativo às vésperas das eleições, e fez um ajuste considerável no primeiro ano de governo, mantendo-se fiel às bases da política econômica de FHC. Nos três primeiros anos do mandato do novo presidente predominou a visão liberal na política econômica, com bons resultados. A partir de 2006/2007, ela começou a assumir contornos "desenvolvimentistas", na esteira do escândalo do mensalão. Instituiu-se uma política de aumentos reais do salário mínimo, dos investimentos públicos em infraestrutura (o PAC), do crédito e do consumo, além dos programas de transferência de renda e reajustes salariais para o funcionalismo público. Foi, também, o período de substancial acumulação de reservas cambiais, com as pressões fiscais decorrentes da esterilização das reservas.
Lula pegou bons ventos externos que o ajudaram no crescimento econômico, com o "boom" das commodities. A inflação caiu de 12,5% em 2002 para 3,14% em 2006. O crescimento econômico foi de 3,5% em média nos quatro primeiros anos de Lula e de 4,62% no segundo mandato, sendo que em 2010 chegou a insustentáveis 7,5% - ano da eleição de Dilma Rousseff -, mas não sem deixar uma herança de problemas para a sua sucessora.
O início do governo Dilma Rousseff foi de ajuste, com aumento do superávit primário e dos juros. Em meados de 2012, porém, a política econômica começou a tomar outro rumo, com a execução de uma "nova matriz econômica" fundamentada em taxa de juros baixa; câmbio competitivo e "consolidação fiscal amigável ao investimento", na definição do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, em entrevista ao Valor em dezembro de 2012. Naquela época o governo estava convicto de que o país experimentaria uma expansão forte dos investimentos. Não houve.
O compromisso com a meta de inflação de 4,5%, àquela altura, já era totalmente frouxo. "Inflação mais alta é algo relativo. Hoje, os economistas sabem que é bom tomar cuidado com inflação muito baixa. Porque taxas muito baixas levaram os bancos centrais a ter taxas de juros muito baixas, que, por sua vez, geraram estímulos à formação de bolhas de ativos. Esse tema, sobre qual é a taxa de inflação ideal, é controverso", argumentava Holland na ocasião.
Havia, assim, a percepção de que a inflação em torno de 6%, onde se situa há quatro anos, tinha um caráter "civilizatório", fruto da distribuição da riqueza em curso no país, que teve início na gestão Lula, e esse patamar seria bem tolerado pela população. Foi o abandono do tripé em nome de um modelo que teve curta duração.
Em meados de 2012, a política econômica passou a tomar outro rumo, com a execução de "uma nova matriz econômica"
A acelerada expansão do crédito, que sustentou taxas de crescimento mais exuberantes, encerrou seu ciclo com o aumento da inadimplência. A retração dos bancos privados levou o governo a estimular as instituições públicas a avançar na oferta de crédito para o consumo. As famílias, endividadas, estão mais cautelosas e os bancos públicos respondem, hoje, por metade do crédito no país.
A transição para substituir o consumo pelo investimento como motor do crescimento econômico esbarrou na perda de confiança de empresas e consumidores no governo e no atraso das concessões de serviços públicos para o setor privado. A economia, que pelos prognósticos oficiais deveria crescer 4% desde o início da gestão Dilma Rousseff, não deslanchou.
É fato que o mundo que tanto ajudou Lula não colaborou com Dilma - desde a crise de 2008/09 a economia mundial cresce pouco e acabou o "boom" das commodities. Mas não há como atribuir toda a decepção ao resto do mundo, como tenta agora justificar o governo. Há responsabilidade interna, independente dos restos da crise externa, sobre o desânimo que se disseminou na produção e no consumo domésticos. Caso contrário o Brasil não estaria no último lugar em uma lista de mais de 40 países, de acordo com pesquisa global sobre o Índice dos Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês). O país foi para o fim da fila por conta própria.
Do lado externo, a situação também deixou de ser confortável. De 2003 e 2007 o país acumulou superávits nas transações correntes do balanço de pagamentos, mas de 2008 para cá a situação se reverteu. O déficit em conta corrente em maio era de 3,61% do PIB, ou US$ 81,9 bilhões. De exportador de capitais o Brasil passou a ser importador, mas isso também não se converteu em aumento do investimento. O quadro externo não chega a ser dramático, mas não é muito prudente diante da perspectiva de aumento futuro dos juros internacionais.
No primeiro trimestre deste ano o Brasil sofreu um rebaixamento da agência Standard and Poor's no rating, mas ainda mantém o "grau de investimento", conquistado a duras penas em abril de 2008. O corte na nota do país decorreu da deterioração das contas do governo central e das incertezas em relação à política fiscal. Desde as estripulias contábeis do Tesouro Nacional, em 2012, e os sucessivos arranjos dependentes de receitas extraordinárias, dividendos das estatais ou renegociação de débitos tributários (Refis), os dados fiscais passaram a ser olhados com lupa e desconfiança.
Nunca foi fácil para a classe política compreender que há limites ao crescimento das despesas públicas e que o Estado não produz dinheiro, mas apenas o recolhe da sociedade sob a forma de impostos e o redistribui.
Soma-se à deterioração das contas públicas o endividamento do Tesouro para emprestar aos bancos federais, sobretudo ao BNDES. A União transferiu mais de R$ 400 bilhões para o banco estatal emprestar a juros subsidiados a empresas privadas sem que elas tenham aumentado a taxa de investimento. Resultado: os juros implícitos da dívida líquida do setor público são crescentes e muito acima da taxa Selic.
Dilma assumiu com taxa Selic de 10,75% ao ano, que subiu para 12% com o objetivo de combater a inflação no primeiro ano do governo, foi reduzida a 7,25% e hoje é de 11% ao ano. Juros baixos e câmbio competitivo eram objetivos acalentados pelo Palácio do Planalto e concebidos na nova matriz econômica.
A curta experiência de juro baixo, que em termos reais chegou em alguns momentos a ser de 2% ao ano, decorreu do excesso de liquidez internacional, de juros reais negativos nos países desenvolvidos e de uma crise nos países da zona do euro. A combinação da redução da expansão monetária nos Estados Unidos com o aumento da inflação no Brasil demandou elevação da Selic a um patamar superior ao encontrado por Dilma. Com um agravante que não houve nos governos passados: o atraso nos preços da gasolina e da energia elétrica que contaminou as expectativas inflacionárias para 2015 e ainda debilitou a Petrobras.
No último ano do governo Dilma, candidata à reeleição, os dados do primeiro trimestre são desalentadores. A economia cresceu 0,2%, a taxa de investimento (o estoque) caiu de 18,2% em igual período do ano passado para 17,7% do PIB, a taxa de poupança de 12,7% foi a mais baixa desde o ano 2000. O mercado considera provável uma retração no segundo trimestre, mas o governo não.
A permanência de mecanismos de indexação - estendidos ao salário mínimo por Lula - e experimentalismos em busca de atalhos que levassem da estabilidade de preços para o crescimento sustentado de forma indolor deixaram o Plano Real inacabado.
Chegou-se a trabalhar, em 2011, em propostas ambiciosas de desindexação da economia que abarcariam desde os investimentos financeiros indexados ao DI (juros médios das operações interbancárias) a preços que teriam uma indexação "oculta" - ou seja, preços que, embora livres, não obedecem aos ciclos econômicos e trazem algum mecanismo de correção automática.
Um grupo de técnicos do governo traçou uma detalhada radiografia do que teria que ser feito nos preços administrados e livres para desatrelá-los da inflação passada. Boa parte dos administrados, responsáveis por 30% do IPCA, são regidos por contratos com reajustes anuais atrelados a índices gerais de preços e 70% dos preços livres também são corrigidos por algum mecanismo que leva em conta a inflação passada. Um exemplo disso são as negociações salariais que tomam como piso o percentual de aumento do salário mínimo. O assunto morreu.
Com um persistente aumento real dos salários superior aos ganhos de produtividade, o mercado de trabalho em pleno emprego e o salário mínimo indexando as aposentadorias do INSS, o seguro-desemprego, o abono salarial, seria muito difícil conter a inflação.
Uma economia que não cresce ou cresce pouco, porém, perde as condições de reduzir as desigualdades e fica sob risco de queda do emprego. Os dados de ocupação na indústria divulgados nesta semana pelo Ministério do Trabalho são inquietantes. Houve um movimento generalizado de fechamento de vagas na indústria de transformação em maio e, em 12 meses, o saldo de vagas abertas é de apenas 3.618.
Consolidou-se, no setor privado, a desconfiança no governo. A piora dos índices de confiança que precedem a desaceleração ou mesmo recessão econômica tem sido contínua e as tentativas do governo de reverter esse cenário foram malsucedidas.
A transição para substituir o consumo pelo investimento como motor do crescimento esbarrou na perda de confiança no governo
Por 12 anos a meta de inflação no Brasil está estacionada em 4,5% ao ano com margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo para acomodar choques de oferta. Foi curta a tentativa de progredir no processo de desinflação e a meta está estabelecida para até 2016. De 26 países que adotam o regime de metas, em apenas 3 - Gana, Indonésia e Turquia - o índice de preços ao consumidor supera a alta de 6,4% registrada pelo IPCA nos 12 meses até maio. Países da América Latina têm objetivos mais restritivos. No Chile, na Colômbia e no México a meta de inflação é de 3% e no Peru, de 2%. As bandas de flutuação para acomodar eventuais choques, nesses países, é de um ponto percentual.
São várias as explicações para o Brasil ter inflação mais elevada do que os outros países que adotam o regime de metas, da inércia à elevação da renda que pressionou os preços dos serviços, passando ainda pela desconfiança na autonomia do Banco Central do Brasil para combater a alta dos preços com elevação dos juros. Em nenhum outro país se acumulou, também, uma defasagem de preços e tarifas públicas como aqui, afetando negativamente as expectativas pela perspectiva de reajuste maior da gasolina e energia a partir do próximo ano.
Ideal para a economia brasileira seria ter uma taxa de inflação mais próxima da que têm os principais parceiros comerciais do país. Há quem estime como adequada uma meta de inflação de 3% ao ano, que seria uma taxa mais neutra para as decisões econômicas e menos prejudicial para a competitividade externa.
Quando do início do regime de metas, o Conselho Monetário Nacional, em 2001, fixou como alvo para 2003 um IPCA de 3,25%. Foi a última tentativa de desinflação. Em 2007 houve um intenso debate no governo sobre a possibilidade de estabelecer uma inflação menor como meta, já que o IPCA de 2006 havia sido baixo, de 3,14%, e as expectativas do mercado estavam até abaixo da meta. Mas venceu quem foi contra, desperdiçando uma oportunidade ímpar.
De 2005 para cá, ao perenizar a meta de 4,5%, buscou-se privilegiar o crescimento econômico. O país ficou sem os dois.
Às vésperas das eleições presidenciais de outubro o Brasil se vê diante de duas possibilidades: retomar o caminho da restrição fiscal e colocar um teto para a expansão do gasto público, corrigir os preços represados, administrar a política monetária para levar a inflação à meta de 4,5%, reduzir os subsídios ao crédito público; ou prosseguir no atual caminho.
Tudo será tão mais fácil quanto maior for o voto de confiança da sociedade no novo governo.

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