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sábado, 14 de abril de 2012

Kraftwerk vira obra de museu



Kraftwerk vira obra de museu

Por Ludovic Hunter-Tilney | Do Financial Times
Lukas Barth/dapd / Lukas Barth/dapdDo quarteto original da performática banda, apenas Ralf Hütter estará presente nas apresentações que ocorrem em Nova York até a próxima terça-feira
Na terça-feira o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) reverberou o barulho de uma porta de carro fechando, a partida de um motor e duas buzinadas atrevidas. Uma voz robótica cantou uma única palavra - Autobahn - com as vogais prolongadas com entusiasmo, como se o robô estivesse surpreso com o pensamento sublime de uma viagem por uma rodovia. Um gancho simples e pulsante de sintetizador soou e as pessoas presentes explodiram em aplausos.
O disco "Autobahn", da banda Kraftwerk, foi lançado em 1974. Foi a obra que a revelou para o mundo, rendendo um single de sucesso internacional. Assim começou uma sequência de discos que transformaram esses alemães excêntricos em uma das bandas mais importantes da música pop. Eles foram pioneiros do synth-pop (estilo em que os sintetizadores predominam) e influenciaram a disco music, o hip-hop e o techno. Sua visão de uma sociedade determinada pela tecnologia foi profética.
Em oito noites, até o dia 17, o MoMA é palco de uma retrospectiva da banda. Cada noite é dedicada a um álbum diferente de sua discografia, começando com "Autobahn" e terminando com "Tour de France", ode à bicicleta lançada em 2003. O local é apropriado. Um show ao vivo do Kraftwerk é um espetáculo de som e luz em que efeitos visuais em 3D e música criam uma simetria perfeita enquanto os quatro homens sérios permanecem alinhados atrás de sintetizadores, uma caricatura da seriedade germânica. Trata-se de um acontecimento que é tanto um concerto pop quanto arte performática.
Mesmo assim, o Kraftwerk lançou apenas dois álbuns de inéditas nos últimos 30 anos. Do quarteto do auge da banda - Ralf Hütter, Florian Schneider, Karl Bartos e Wolfgang Flür -, apenas Hütter, hoje com 65 anos, estará no palco no MoMA, acompanhado de três recrutas mais recentes. Por algum motivo enigmático, que o evasivo Hütter não comenta, o Kraftwerk perdeu o rumo com a chegada do futuro que havia previsto. O que deu errado?
Andy McCluskey é membro do Orchestral Manouevres in the Dark, um dos grupos britânicos de synth-pop que surgiram na esteira do Kraftwerk. Ele ouviu o grupo pela primeira vez quando "Autobahn" transformou-se em um sucesso em 1975: um adolescente de 16 anos cercado por "hippies, nerds com acne e a estranha batida disco" na [casa de shows] Liverpool Empire, ele teve uma epifania.
"Era completamente diferente de tudo que eu já tinha visto antes", lembra ele. "Aqueles eram os dias dos cabelos compridos, dos jeans e das bandas de rock. Mas aqueles quatro caras apareciam de terno e gravata, dois deles tocando o que pareciam ser bandejas de chá com agulhas de tricô eletrônicas. Seus nomes apareciam em luzes fluorescentes diante deles, havia projeções atrás deles. O lugar devia estar com um quarto de sua lotação, mas aquela foi uma das experiências mais incríveis que já tive."
A música entrou na era digital nos anos de 1980, quando o Kraftwerk perdeu o rumo. Nos últimos 30 anos, apenas dois álbuns de inéditas
A inovação do Kraftwerk não está no fato de que eles tocavam música eletrônica, e sim na maneira como eles faziam isso. A banda foi formada por Hütter e Schneider, que se conheceram quando estudavam artes em Düsseldorf. Ambos apreciavam as composições eletrônicas de Karlheinz Stockhausen. Em 1968 eles formaram um grupo chamado Organisation, que dois anos depois se metamorfoseou no Ktaftwerk.
O fim dos anos de 1960 e começo da década de 1970 foram pródigos para o sintetizador. O álbum "Switched-On Bach" de Wendy Carlos foi lançado em 1968, ano em que Hütter e Schneider começaram a compor juntos. Em 1973, Mike Oldfield liderou as paradas de sucesso da Alemanha com "Tubular Bells". Um anos depois "Autobahn" foi lançado. Foi o quarto álbum do Kraftwerk, mas o primeiro reconhecidamente "kraftwerquiano". Os três discos anteriores foram silenciosamente expurgados da história oficial do grupo.
Antes de "Autobahn", o sintetizador era usado principalmente para criar barulhos misteriosos ou fantásticos, um instrumento de outro mundo em que maestros do rock progressivo vestidos com longas capas, como Rick Wakeman, deixariam fluir sua imaginação e agilidade com os dedos. O Kraftwerk, por sua vez, fazia uma música eletrônica metódica e compreensível. Suas canções eram melódicas e repetitivas, uma mistura contagiosa de romantismo e minimalismo. Eles cantavam sobre a infraestrutura da modernidade do dia-a-dia: rodovias, ferrovias, ondas de rádio, luzes de neon. A energia era um tema sempre repetido: "Kraftwerk" em alemão significa usina de força, central elétrica.
As ideias do grupo se aglutinavam em torno da noção do homem-máquina. "O Kraftwerk não é uma banda", disse Schneider em 1975, na primeira turnê do grupo pelos Estados Unidos. "É um conceito: 'Die Mensch-Maschine', a máquina humana. Não somos a banda. Eu sou eu. Ralf é Ralf. O Kraftwerk é um veículo para nossas ideias." Três anos depois, o álbum "The Man-Machine" louvou a ideia do cyborg. O "robô-pop" do grupo foi criticado por ser frio e desumano. Mas ele foi apresentado com um humor impassível e uma teatralidade tal que teve o efeito oposto, proporcionando calor e sentimento ao sistema de circuitos eletrônicos da obra.
O álbum "Computer World", de 1981, foi o último disco notável do Kraftwerk. Foi visionário em relação a um mundo ligado por computadores. Mas aí, eles perderam o rumo. A crise de confiança surgiu com a abortada sequência de "Computer World", "Technopop". Em 1984, justo quando o disco estava para ser entregue para a gravadora, a EMI, o grupo decidiu não lançá-lo. O episódio, assim como muitas outras coisas em torno da banda, até hoje está envolvido em mistério.
"O motivo de eles terem hesitado é que Ralf, em particular, começou a buscar os sons novos que estavam saindo, como as produções da ZTT - ABC, The Art of Noise, Frankie Goes to Hollywood -, em Londres, e as produções de Nile Rodgers -- Chic, Madonna, David Bowie - em Nova York", diz David Buckley, autor do livro "Kraftwerk: Publikation", que será publicado em breve. "Parece que eles ficaram com medo. De repente, sentiram que sua música precisava de uma atualização radical para competir no mercado."
Faixas do abandonado "Technopop" foram adaptadas para o disco de 1986, "Electric Café", que teve uma recepção fria. O Kraftwerk só foi lançar um novo disco, com músicas inéditas, em 2003, chamado "Tour de France". Motivado pela obsessão de Hütter pelo ciclismo, a união clássica do homem com a máquina, ele modernizou primorosamente o som da banda. Mas a atividade febril foi única. Na última década eles excursionaram e lançaram um disco ao vivo, mas nada de material novo.
A música entrou na era digital no começo dos anos de 1980, quando o Kraftwerk perdeu o rumo. Hoje em dia, softwares corrigem a voz dos cantores e sintetizadores imitam o som de uma orquestra. Até mesmo gravações aparentemente orgânicas são processadas por computadores potentes. A fusão homem-máquina passou a não ter costuras. Mas, para o Kraftwerk, o futuro não é o que era. (Tradução de Mario Zamarian)

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